Ac: Cultura cringe, preconceito internalizado, uso de segunda pessoa, descriminação.
Eu tenho certeza que você já entrou em contato com alguma história objectum na sua vida, e provavelmente foi por meio de uma notícia sensacionalista escrita de forma desdenhosa sobre uma pessoa que só estava vivendo a vida em paz. Essa notícia criou uma imagética na sua cabeça sobre como pessoas objectum devem ser. “Coitadas dessas pessoas sozinhas e patéticas que acham que estão em um relacionamento com um objeto :-(”.
Honestamente, na primeira vez que descobri sobre experiências objectum, eu reagi da mesma forma. Acho que em uma sociedade onde é imposto que temos que nos relacionar sexualmente/romanticamente com uma pessoa, crescemos com certos ideais sobre como um relacionamento, como uma atração, como um interesse, deve funcionar. Se você não sentir atração, ou se você não sentir atração o tempo todo, você não é normal. Se você sentir atração do jeito errado, você não é normal. Nossa normalidade é toda hora colocada sobre a mesa. Um passo errado, e boom, você não é mais humane.
Você é motivo de piada.
Você é a pessoa na thumbnail de uma compilação cringe no youtube.
A vergonha encapsulada
De todas as minhas identidades, a que eu tenho mais medo de revelar, é a objectum. Mesmo em espaços onde me sinto seguro, eu me recuso a falar sobre. Mesmo com pessoas com quem me sinto confortável, eu sinto uma hesitação. É uma combinação de vergonha e medo, que simplesmente me faz fechar a boca antes mesmo de pensar em como explicar.
De tempos em tempos, eu lembro de um caso de uma pessoa objectum que tinha um relacionamento com um boneco, e todas as notícias que saíam sobre ela eram péssimas, todas em um tom horrível. Eu vi ela ser citada em um vídeo de um youtuber brasileiro, e embora não lembre muito bem dele, eu sei que não falaram dela de forma respeitosa. Adoro (/sarcasmo) que sempre que documentam uma pessoa objectum para essas matérias sensacionalistas, a pessoa é vista toda feliz e satisfeita com a sua vida, mas os comentários de terceires são sempre: “Coitada dessa pessoa”, “Eu tenho tanta pena delu”, “Não façam piada disso, é uma doença!” e etc.
Enfim, preconceitos com raízes capacitistas à parte, ao lembrar desse caso, e de vários outros, eu automaticamente me encolho. Eu já sou uma pessoa marginalizada “esquisita”, e não há jeito nenhum de me encaixar na norma algum dia. Mas sofrer ostracismo sempre é horrível. Não é algo com o que você se acostume. Não quero ser vista como mais esquisita ainda. Não quero que ninguém faça piada de mim.
No final, coisas internalizadas são tão difíceis de destrinchar, que você prefere simplesmente ignorar que elas estão lá. Mas toda vez que eu vejo posts de pessoas objectum descrevendo suas atrações, toda vez que eu penso sobre as minhas, eu sinto vergonha. É incontrolável.
E isso não é justo com essas pessoas. Isso não é justo comigo. Não há nada de errado em ser objectum.
Mas acontece que tem uma estrutura ao nosso redor que diz o contrário. Sentimentos causados por imposições são difíceis de evitar.
A falecida que insiste em se levantar da cova
Gosto de fazer piadinha sobre isso, mas vamos falar a real: A cultura cringe está viva. A desgraçada vai demorar para se dissipar nessa vastidão da internet. Ainda mais com algumas pessoas tratando ela de forma tão trivial. Como se fosse um conjunto de “piadas inocentes”. Quem é queer, não-branque, neurodivergente e etc, sabe muito bem que isso não é verdade. Ainda mais quando toda coisinha que a gente faz é vista como “cringe”. Tudo que a gente gosta. Tudo que a gente é.
Sinto que muita da vergonha que sinto em relação a ser objectum provém disso. Lembro das compilações, das matérias mal intencionadas, dos comentários zombeteiros….todo um círculo de humilhação se expandindo. Colocar algo/alguém como cringe também é uma estratégia de ataque. Uma que se esconde atrás de memes e do “humor ácido”, mas que é tão velha quanto a própria internet.
Essa estratégia tem o objetivo de taxar nossa existência inteira como algo peculiar, bizarro, engraçado. Você está em uma exibição de espécimes raros. Sorria para câmera.
E não demora muito para tudo se desenvolver em ódio (embora eu argumente que humilhação já se constitui como uma forma de ódio). Um dia elus estão rindo de você, no outro estão advogando contra sua existência.
Não tem como ganhar contra essa morta-viva. A não ser que haja realmente um esforço coletivo para acabar com ela.
Piadinhas inocentes não deveriam fazer as pessoas se sentirem horríveis. Não há nada de inocente nas mãos de gente que sabe o que está fazendo.
Conclusão
Isso foi mais um desabafo do que qualquer coisa e eu estou morrendo de sono no momento, então desculpe por qualquer erro ortográfico.
É isso, eu sou objectum. Eu tenho vergonha de ser objectum. A cultura cringe está sólida, é insuportável e eu odeio ela.
Espero que esse texto tenha sido minimamente compreensível.
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