Escolhendo autoridades

Dependemos diariamente de informação. O horário exato, o clima, os acontecimentos. Mas de onde surge toda essa informação? Tornamos necessária a crença diária em autoridades que nos dizem o estado das coisas, então é importantíssimo que essas autoridades sejam as melhores possíveis.

A partir de uma crença, denominamos sobre o que temos conhecimento. Podemos dizer que Urano tem diversas luas por exemplo, através do que nos diz a NASA ou o Observatório Europeu, ou ainda outras fontes. Mas sabemos realmente que Urano tem diversas luas? Quando a nossa crença se torna conhecimento ou realidade?

É possível se guiar através do que é popular. Por exemplo, se várias pessoas já vivessem em uma das luas de Urano e tivéssemos essa informação recorrentemente transmitida a nós através de TV ou outros meios, saberíamos que uma das luas de Urano estaria ocupada por pessoas. Mas a crença em deus também é popular. Muitas pessoas acreditam em um deus, o que não o torna verdadeiro. Qual é a diferença entre o conhecimento de vivermos nas luas de Urano ou da verdadeira noção de deus?

Faz sentido realmente acreditar que Urano existe, quando de fato é apenas algo que algumas autoridades nos dizem ou uma fraca imagem em um telescópio pessoal? Quanto sentido faz acreditar que deus existe quando realmente não podemos prová-lo através dos sentidos? Será que é tanta loucura assim acreditar em um deus tanto quanto acreditar em Urano?

Mas temos autoridades que nos dizem que a Ciência é de fato o caminho, e o justificam tendo órgãos de pessoas que julgam o conhecimento científico de outras através de bancas de estudiosos, que preservam todo o conhecimento que obtivemos até agora. Mas o quanto podemos confiar nessas pessoas?

Será que é suficiente simplesmente que nossas escolas estejam cheias dessa informação, nossas universidades constantemente reafirmando o conhecimento que veio do além-mar, e algumas vezes da nossa própria terra? Quem deveria ser o centro desse conhecimento? Faz sentido que dependamos de alguns publicadores europeus para que o nosso conhecimento seja confirmado?

No Rio de Janeiro temos o Observatório Nacional, que tem algumas relíquias e alguns relógios atômicos que cuidam do horário de Brasília, mas a Internet usa esses relógios? Percebemos que é, sem dúvida, fundamental termos nossa própria fonte de informação quanto ao horário real, mesmo que os nossos horários venham de outras partes do mundo, através dos aparelhos que usamos. Mas o quanto é importante também confiar nas autoridades exteriores?

É fato que quanto mais consumimos de uma fonte de autoridade, mais certos estamos dela, e é aí que podemos escolher nossas autoridades. Vivemos em uma época de informação. A TV pode lhe dizer que o presidente da Venezuela deve cair, mas outras fontes dizem que ele é legítimo. O que, nessa questão, realmente é conhecimento?

Percebemos a fundamental necessidade da confiança de autoridades para que tenhamos nossa base de conhecimento. Muito do que sabemos não provamos através dos sentidos ou raciocinamos através da razão. Muito vem do passado e dos conhecimentos acumulados por outros. Através da percepção de uma outra pessoa, podemos perceber o quanto estamos certos ou errados e nos ajustarmos diante disso. É seguro dizer que um conhecimento testado é um conhecimento certo.

Temos, por exemplo, um método que um juiz usa para julgar um réu. Muito provavelmente ele não inventou esse método, mas podemos dizer com certeza que o método existe a partir do momento em que foi utilizado. Portanto, o conhecimento pode ser ressuscitado ou até mesmo reproduzido, para que, por fim, possa fazer parte da realidade.

Posso também dar o exemplo de algo mais simples, como: “tenho um pé”. É óbvio pra mim que eu tenho um pé, pois posso vê-lo, tocá-lo e usá-lo, mas é importante notar também que eu tenho a consciência de que tenho um pé e por isso ele existe de verdade e é conhecimento.

Voltemos à questão da existência. Se eu tenho conhecimento sobre deus, ele provavelmente existe, pois também estou consciente da existência de deus. Mas um louco também pode estar consciente de que sua sombra converse com ele e que isso seja conhecimento pra ele. Ele pode comunicar que a sua sombra conversa com ele e as coisas que ela diz, assim como um crente em deus pode comunicar suas conversas com deus e o seu conhecimento sobre deus.

Quando então podemos parar para alguém e dizer que tal coisa não existe se então aquela pessoa tem o conhecimento de sua existência? Não podemos. Através da lógica e dos sentidos, não conseguimos provar o contrário de algo que alguém tem conhecimento, porém o conhecimento é plástico e pode se alterar com o tempo. Através de químicos e outros conhecimentos, podemos alterar a noção de realidade da pessoa.

Talvez um crente tenha um choque com deus que cancele o seu conhecimento de que deus existe, ou o fenômeno que deus causava na sua vida não mais o afeta ou é interpretado de maneira não mais espiritual.

Através dos conhecimentos que as autoridades científicas nos passam, podemos ter a certeza de que os cientistas (naturais) não entendem muito bem a condição humana e natural. O universo hoje é probabilístico e coisas que parecem impossíveis podem espontaneamente acontecer, dizem as principais correntes da mecânica quântica. Isso seria algo que cancelaria a realidade prática que experimentamos dia após dia, mas também é algo que os nossos sentidos podem nos mostrar de uma outra forma, com o auxílio de instrumentos, ou através da matemática.

Instrumentos que também são fundamentais como outra forma de obtenção de conhecimento, potencializando nossos sentidos, principalmente o auditivo e o visual. Com o conhecimento prévio de fenômenos e o auxílio de instrumentos, podemos obter mais conhecimento.

Como podemos, no entanto, ter consciência disso? Como afetamos os nossos sentidos e a nossa percepção? Através das noções prévias, é claro. Ou seja, do conhecimento de outras pessoas. É controverso, mas se pode dizer que todo conhecimento começa com uma crença, com algo fraco que eventualmente pode se tornar uma verdade com diversas confirmações científicas, ou seja, da experimentação e da provação de outras pessoas.

Podemos julgar quem acredita em deus e tem conhecimento de sua existência através de autoridades que provam sua existência a todo momento? Seria a ciência superior por causa de seus métodos, ainda desiguais? Acredito que não, todo conhecimento deve ser julgado de forma igual. Não podemos julgar essas pessoas, mas certamente elas, tanto quanto nós, estamos submetidos a um controle moral superior através do Estado. E a única forma de mudar o Estado é alterando sua percepção sobre as coisas, através de conhecimento e de novas autoridades.

Quem julgaria então a verdade de uma autoridade a que possivelmente estaremos todos subjugados? Possivelmente todos nós. Escolham suas fontes de informação com cuidado, pois temos essa opção. Hoje, temos mais liberdade de escolha sobre a nossa consciência do que nunca, através da tecnologia e da comunicação. Tudo o que consumimos fortalece não só a realidade do outro em nós, como nossa própria realidade. Por fim, alteramos o conhecimento, até mesmo o geral.

REFERÊNCIAS:

Until the End of Time — Brian Greene, 2020

Epistemology, A Beginner’s Guide — Robert Martin, 2014