Um termo potencialmente importante: modalidade de gênero

Tudo que tem a ver com falar de gênero tem um vocabulário muito complexo.

Para separar a ideia de identidade de gênero (os termos que você usa para descrever seu gênero, seus gêneros, sua ausência de gênero, sua relação com o conceito de gênero ou com o resto dos termos que você usa em relação a gênero, e/ou afins) de questões relacionadas com atração, o conceito de orientação foi cunhado. Para separar a ideia da sua identidade de gênero da ideia de como você age/se veste/etc., o conceito de expressão de gênero foi cunhado.

E por assim vai: existem também elementos de gênero, alinhamentos de gênero, gêneros designados, e possivelmente outros termos usados para distinguir a identidade de gênero de alguém de outras questões que fazem parte de suas experiências e/ou vivências.

Mas hoje eu venho trazer um conceito que diz respeito a terminologias de décadas atrás, mas que parece ser recente e que tenta preencher um vácuo já sentido por muita gente: modalidade de gênero.

Modalidade de gênero significa, de forma resumida, a relação de alguém com seu gênero designado, independentemente de sua identidade de gênero. Dessa forma, cisgênero, ipsogênero, transgênero e outros termos que se encaixam neste eixo são palavras que descrevem a modalidade de gênero de alguém.

Modalidade de gênero não especifica a identidade de gênero de alguém ou seu gênero designado. Ou seja, "pessoa transgênero designada mulher ao nascimento" ou "homem cis" estariam descrevendo além da modalidade de gênero, que, nesse caso, seriam apenas transgênero e cis, respectivamente.

Quem cunhou o termo foi Florence Ashley. Aqui está um texto que explica a cunhagem do termo, e aqui está um texto argumentando mais sobre sua utilidade.

Os textos são principalmente sobre o quanto é errôneo colocar cis ou trans como partes da identidade de gênero de alguém, e que muitas vezes quem faz isso são pessoas que acabam escrevendo seus textos de forma que parece que só pessoas cis têm gênero, enquanto pessoas trans têm uma identidade de gênero (como se uma identidade de gênero fosse determinada por identificação e diferente do gênero designado, enquanto um gênero fosse um gênero designado, igual ao designado e/ou "natural").

Aqui, eu gostaria de apontar o quanto algo assim é útil para falar de discriminação contra pessoas não-cis, e de falar sobre modalidades de gênero de forma que não coloque algumas modalidades como padrão e outras como derivadas:

1. Ao cunhar alternativas compactas para LGBTQIAPN+ ou explicar quem tem direito a estar na comunidade, é útil ter um equivalente a orientação (a categoria que contém lésbica e hétero) e corporalidade (a categoria que contém intersexo e perissexo);
   

2. Ao tentar conseguir estatísticas sobre determinada comunidade, "qual a sua modalidade de gênero" parece uma questão mais abrangente, menos conducente e mais organizada que "você é trans?", "você é cis, trans ou outra coisa?" ou "qual sua identidade de gênero? Inclua se você é cis ou trans";
   

3. Ao cunhar ou explicar modalidades de gênero, é possível não se basear tanto em outras modalidades. Podemos dizer "ipsogênero é uma modalidade de gênero para pessoas intersexo que se identificam com seu gênero designado" ao invés de dizer "ipsogênero é um termo similar a cisgênero, e define pessoas intersexo que (...)" ou "ipsogênero é um termo para (...), e é usado no lugar de cis ou trans";
   

4. Pessoas de modalidades de gênero marginalizadas passa a ser uma alternativa para pessoas não-cis, o que pode ser útil para quem não gosta de ficar definindo identidades pelo que não são.
   

O que resta agora é ver se o termo vai pegar, ou se vai acabar sendo reapropriado para outra coisa (o que aconteceu com alinhamento de gênero) ou esquecido.

[1] NHINCQ+ é uma alternativa para LGBTQIAPN+. É pronunciada como nhin-que mais, e significa não-hétero, intersexo, não-cis, queer e outras pessoas que poderiam se encaixar nesses termos, mas que preferem não utilizá-los para si. Mais detalhes aqui.