Eu tenho quase certeza que tenho algum tipo de transtorno do humor. Provavelmente sou ciclotímique.
Esta é uma exploração relativamente recente, mas que faz sentido em relação aos meus sentimentos e comportamentos de muitos anos, ao menos desde a adolescência.
Talvez eu queira remédios para isso em algum momento. Mesmo assim, é algo que eu duvido que seria um processo simples. Não tenho vontade de me desgastar com isso no momento.
E este texto, afinal, é sobre isso: sobre o desgaste que é ser uma pessoa não-binária fortemente afetada por circunstâncias externas.
Eu geralmente me apresento usando apenas um conjunto de linguagem, ou, no máximo, dois. Digo que minha linguagem é ze/eld/e, -/eld/e, ou que podem usar ambos os conjuntos -/eld/e e ze/elz/e.
Também aceitaria ed/eld/', -/elx/x, -/éli/e e outros conjuntos que misturam estes. Mas entendo: a maioria só vai usar um conjunto mesmo, e ter escolhas demais pode acabar fazendo com que "desistam dessa neolinguagem" e passem a me maldenominar ou a evitar qualquer linguagem específica com a pouca naturalidade de quem não está nada acostumade com isso.
Enfim, só falo sobre a linguagem que uso quando estou falando com pessoas que acho que deveriam ter contato com a neolinguagem, ou que acho que vão passar tempo comigo o suficiente para deverem saber como se referir a mim da forma certa.
Isso já é um compromisso injusto. Muitas pessoas podem ir a quaisquer lugares sem ter ninguém nunca errando sua linguagem. E se alguém falar que usa o/ele/o ou a/ela/a, é bem mais provável que isso seja respeitado (mesmo que não tivesse sido anteriormente) do que conjuntos como i/éli/i, -/elu/e ou os que eu uso.
Provavelmente muita gente acha que a culpa é nossa: fomos nós que escolhemos não nos sentir bem com a linguagem que foi atribuída a nós sem consentimento. Mas eu não diria que é uma escolha; a diferença é que agora tenho palavras para usar para dizer que estou desconfortável com certa linguagem sendo aplicada a mim, e que existe um jeito de eu não me sentir mal, mesmo que ele seja difícil para pessoas que odeiam descobrir que seu vocabulário "normal" na verdade é impróprio e ofensivo.
Existem soluções para quem não quer me maldenominar e nem aumentar o próprio vocabulário. Essas pessoas podem começar não falando de mim e nem comigo. Ou, caso haja a necessidade de falar comigo, existem formas de fazer isso sem atribuir uma linguagem que me faz mal a mim.
Talvez isso possa parecer radical: ah não, eu estou dizendo que a maior parte da população não deveria interagir comigo!!! Bem, na verdade, eu iria preferir que a maioria da população aprendesse que linguagem pessoal é importante e variável. E não é como se não existissem pessoas binárias, cis ou até mesmo cis + hétero + sem conexão com comunidades NHINCQ+/LGBTQIAPN+ que soubessem como usar a linguagem certa pra mim.
Mas, honestamente, eu não me sinto confortável ao redor de gente que se recusa a mudar seu vocabulário opressivo. E, sendo autista, e tendo a maior parte dos meus interesses em volta de questões NHINCQ+... eu realmente não sei por qual motivo acharia interessante fazer amizade com alguém que "não gosta dessas coisas de gêneros não-binários e neolinguagem"?
A questão é que, possibilidades reduzidas de conhecer pessoas à parte, acho que existe essa impressão de que pessoas como eu "vivemos numa bolha". Como se tivéssemos a oportunidade de viver só entre pessoas que usam a linguagem correta para nós.
Bem, detesto quebrar a fantasia que a bolha de quem pensa que pessoas não-binárias são mega privilegiadas tem, mas a vida não é assim, ao menos não pra mim.
Eu moro em um prédio. Se acontece alguma coisa relacionada a isso, como avisarem que tenho que buscar uma ata da reunião de condomínio, ou reclamarem que estou fazendo alguma coisa fora das regras do prédio, já me maldenominam, porque pessoas privilegiadas acham mais educado se referir a todo mundo como senhor ou como senhora (e daí obrigam as pessoas que estão empregando a fazer isso).
Se eu for comprar alguma coisa, é bem possível que também me maldenominem. Se alguém na rua quiser me chamar a atenção, também. Se algume parente vier falar comigo por telefone ou chat (o que é raro o suficiente para eu não considerar falar sobre minha linguagem), também.
E também ir num salão de beleza, ou num posto de saúde/hospital, ou numa academia aonde há gente atendendo, ou num hotel, ou nume restaurante/lancheria/bar.
Se eu fizer algum curso, vou me preparar para a humilhação de dizer minha linguagem e de não ser respeitade por ninguém, ou de não dizer minha linguagem e pessoas se surpreenderem e reagirem mal quando eu corrigi-las ou pedir para parar de usar certas palavras ou pedir para não presumirem meu gênero.
Se eu for em uma roda de conversa, se tiver muita sorte pode ter alguma obrigação em declarar conjuntos de linguagem (ou pelo menos só os pronomes). Mesmo assim, a maioria das pessoas não tenta lembrar ou checar a linguagem alheia, e lá vai a maldenominação, mesmo que eu esteja com "ELD" ou com "ZE/ELD/E" gigantes em ume adesivo, crachá ou placa.
Se eu estiver junto com amigues de amigues/parceires, é comum me chamarem em separado para declarar como acham minha linguagem difícil e podem errar no início. O que também é uma bosta, porque só está chamando a atenção para o quanto "eu estou complicando as coisas".
Eu garanto que cada uma dessas coisas dói. Que cada uma dessas coisas pesa.
E, enquanto parte da minha vida é produtiva e tenta fazer o máximo possível, a outra é ideação suicida, improdutividade e/ou choro infinito sobre como minha situação é inevitável independentemente de quantos textos e explicações eu faça.
Então não deveria ser tão absurdo assim eu querer evitar essas situações de maldenominação. Menos maldenominação = qualidade de vida melhor.
Eu estou falando isso por mim, obviamente, sobre uma forma de eu conseguir lidar com meu transtorno de humor, mesmo que ele seja ativado por coisas negativas e mesmo quando uma coisa negativa acontece muito frequentemente comigo por ela ser vista como normal.
Mas eu não acho que meu caso deveria ser o único considerado válido. Eu acho que pessoas que usam quaisquer conjuntos devessem ser respeitadas independentemente do quanto sofrem quando são maldenominadas.
Quando eu comecei a usar neolinguagem pra mim, achei que não seria tão complicado: afinal, na maior parte dos casos, é só trocar uma letra!
Mas, não, parece que precisa sempre haver um conflito desgastante e outras pessoas em volta aderindo até que a maioria considere que respeitar minha linguagem possa ser uma opção.
Eu não gosto de escrever coisas pessoais, especialmente quando dão munição para quem quer me machucar. Mas acho que este texto é importante, por dois motivos.
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Pessoas cujos conjuntos de linguagem pessoal diferem de o/ele/o e de a/ela/a: vocês não estão sozinhes. Existem pessoas como vocês, que precisam viver no dia-a-dia e não só em grupos onde suas linguagens são respeitadas. Vocês merecem que seus conjuntos sejam aceitos tanto quanto pessoas que usam conjuntos padrão.
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Pessoas que tratam a/ela/a e o/ele/o como as únicas linguagens existentes: parem de pensar que vocês são as únicas pessoas que "merecem ser exceção" para aprender a usar conjuntos fora do padrão. Parem de pensar que neolinguagem é uma brincadeira e que só trolls usam "pronomes estranhos". Somos pessoas também.
Se você realmente gosta das pessoas ao seu redor que usam conjuntos de linguagem que parecem difíceis para você, faça o esforço ou leve a sério o fato de que você está contribuindo para crises depressivas, automutilação e ideações suicidas dessas pessoas. A sociedade em geral é responsável, mas você também está contribuindo.
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