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Feminilidade e masculinidade como eufemismos para gêneros binários
Com o aumento da popularidade de retórica feminista e inclusiva de pessoas trans, mais pessoas estão parando de dizer que algo é “de homem” ou “de mulher”. Mais pessoas estão deixando de se importar com crianças querendo brinquedos ou roupas não associades com suas designações de gênero, fazendo piadas com produtos de beleza “para homens” ou parando de usar partes do corpo para explicar o que é ser homem ou mulher.
Porém, muitas vezes, pessoas estão usando masculine e feminine - palavras que, na língua portuguesa, são muitas vezes usadas como termos mais formais para homem e mulher - como eufemismos para o que antes diriam que é coisa de homem/mulher/menina/menino.
E isso é um problema. Feminilidade e masculinidade são qualidades usadas de formas mais abrangentes do que ser mulher ou homem, mas ainda são relacionadas com tais gêneros, e, portanto, substituir uma coisa por outra ainda é uma designação coerciva e limitada.
Por exemplo, quando uma pessoa que se acha “desconstruída” quer se referir a alguém que leu como homem, fala que é uma pessoa “de aparência masculina”. Quando quer se referir a saias, vestidos ou roupas curtas/justas, fala que são “roupas femininas”.
Entendo que podem ter vezes que a feminilidade ou masculinidade associada com algo é relevante. Porém, muitas vezes não é, e só está sendo colocada naquela fala ou naquele texto por ser um atalho conveniente. Mesmo assim, novamente, isso está reforçando que existe um “universo masculino” e um “universo feminino”, ambos separados e associados com certos gêneros e papéis de gênero.
Sabem aquelas postagens que falam sobre o quanto maquiagem não é “coisa de menina”, e sim apenas maquiagem? Ou sobre o quanto tudo bem um menino querer usar uma saia porque é só uma roupa? Ou sobre brinquedos não terem gênero porque são só pedaços de plástico/borracha/metal?
Elas são justamente sobre não forçar o rótulo de feminino sobre um menino que quis se vestir de Elsa para uma festa fantasia, ou sobre não chamar engenharia de profissão masculina para não desencorajar mulheres de almejar tal profissão. Elas são sobre quebrar a ideia de que qualquer coisa precise ser rigidamente classificada como masculina ou feminina.
E isso parece ser esquecido em certas circunstâncias.
Expressão pessoal e falta de cuidado com palavras
Querendo ou não, masculinidade e feminilidade são arquétipos existentes em sociedades eurocêntricas. Eu não estou dizendo que nada nunca pode ser referido como masculino ou feminino.
Uma pessoa pode querer categorizar sua expressão de gênero como feminina. Uma pessoa pode estar buscando se expressar de forma mais masculina. Uma pessoa pode ter um gênero que é relacionado com masculinidade e/ou feminilidade.
Porém, a forma que muitas pessoas usam para expressar seus sentimentos em relação a isso acaba reduzindo estes arquétipos a regras a serem seguidas.
Por exemplo, “eu uso linguagem feminina” remete à ideia de que o conjunto a/ela/a é simplesmente sinônimo de “linguagem feminina”, não abrindo espaço para linguagens femininas alternativas e nem para pessoas que queiram usar a/ela/a sem a carga disso ser visto como “feminino”.
“Você sempre usa roupas masculinas” remete à ideia de que certas roupas precisam ser associadas com masculinidade, independentemente da vontade ou intenção da outra pessoa.
“Expressão de gênero é masculina ou feminina” não só obriga pessoas a se categorizarem a um grupo binário, como também geralmente força certes comportamentos, vestimentas, conjuntos de linguagem, etc. a serem vistos como puramente masculinos ou femininos.
A introdução de palavras como neutre e andrógine nesses contextos não ajuda, porque ainda é uma tentativa de categorizar coisas que pessoas são ou fazem com certos arquétipos específicos independentemente da vontade da pessoa.
Eu sugiro muito começar a usar frases como “eu uso/quero/gosto de [tal coisa] porque considero [feminina/masculina/neutra/etc.]” ao invés de “eu uso/quero/gosto de [tal coisa feminina/masculina/neutra/etc.]”, caso você queira indicar que certa escolha tenha sido feita por conta de sua feminilidade/masculinidade/neutralidade/etc.
E, caso isso não seja necessário, é possível só descrever tal coisa, sem precisar associar ela com feminilidade/neutralidade/etc.
Além disso, assim como um carrinho de brinquedo pode ser de menina porque ele pertence a uma menina, coisas podem ser femininas ou masculinas ou etc. porque as pessoas que as têm são femininas ou masculinas ou etc. Uma pessoa pode dizer que seu vestido rosa é andrógino por ser um vestido pertencente a uma pessoa andrógina.
Mas a sociedade!
Sim, saias e vestidos são roupas consideradas femininas em grande parte das sociedades eurocêntricas. Sim, o/ele/o é um conjunto considerado masculino em contextos lusófonos.
Mas não é meio errado simplesmente se render a estas classificações normativas? Não é porque muita gente pensa que “só é homem quem tem pênis” ou que “relacionamentos de verdade têm sexo e amor e precisam ser entre um homem e uma mulher” que ativistas que são contra estas ideias desistem de mudar a forma que falam de sexo, gênero e relacionamentos para incluir mais formas de existir.
Então como é que ainda se considera aceitável dizer coisas como “tal pessoa tem aparência feminina”, “eu uso pronome masculino”, “estas são características sexuais femininas” ou “essa criança só gosta de brinquedos masculinos”?
E, mesmo quando é relativamente necessário falar de coisas como femininas ou masculinas, é possível falar delas de forma que não demonstra apoio às normas de gênero da sociedade. Compare “elu está experimentando roupas femininas” com “elu está experimentando roupas da dita seção feminina”.
Por favor, pensem nisso.
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